Os dias de junho são agradáveis em Londres. Excetuando pontuais ondas de calor mais forte, o verão naquelas latitudes jamais castiga as pessoas da maneira como nós, da parte subtropical do mundo, estamos acostumados. Nesses dias, é possível acordar com manhãs frescas, bem temperadas pelos ventos que sopram do Tâmisa e encontram os apressados londrinos em suas lidas diárias.
Uma dessas manhãs foi aquela, de junho de 1923, em que Clarissa Dalloway saiu de sua casa para comprar flores. Abriu a porta e foi recebida pelo ar matutino, que lhe pareceu “como o tapa de uma onda; como o beijo de uma onda”. Era Londres, a sua Londres, que a recebia para mais um dia de verão. Esse dia, que dá início a “Mrs. Dalloway”, de Virginia Woolf, é um dia londrino, passado em Londres e entre londrinos.
A Londres pela qual Clarissa passeia é uma cidade em transição. As melhorias urbanas e a migração para os subúrbios saneiam a metrópole, muito mais agradável nesse século do que no anterior. Os automóveis já são um transporte popular, e os famosos ônibus de dois andares circulam pelas ruas ao lado de tramways, bondes e linhas de metrô que cortam a cidade de norte a sul.
E Clarissa caminha em meio a tudo isso: passa pelo Big Ben, passeia pela Bond Street, vê os ônibus na Picadilly; é tocada pela dança das pessoas na metrópole. Na escrita de Virginia Woolf: “Nos olhos dos passantes, na sua pressa, no seu andar, na sua demora; no burburinho e vozearia; carros, autos, ônibus, caminhões, homens-sanduíches, bamboleantes e tardos; charangas; realejos; na glória e no rumor e no estranho aerocanto de algum avião sobre a sua cabeça, estava isto, que ela amava: a vida, Londres; aquele momento de junho”.
Como dizia Samuel Johnson, quem está cansado de Londres está cansado da vida. E Clarissa ama a vida; por isso, ama Londres. E aquele momento de junho, com seu frescor matutino, só ajuda a amá-la ainda mais.
Texto originalmente publicado no livro “Virginia Woolf” (Edições Companhia Zaffari, 2019).
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