
Cecília Meireles
O momento e a autora
“O Romanceiro da Inconfidência” foi publicado em 1953. Foi época de intenso interesse pelo passado de Minas Gerais por parte de muitos escritores das Alterosas: em 1951, Drummond publica “Claro Enigma”, contendo uma parte inteira dedicada à sua terra natal; em 1954, é a vez de Murilo Mendes e a sua “Contemplação de Ouro Preto”.
No caso de Cecília, o que despertou seu interesse foi uma visita a Ouro Preto como jornalista, no começo daquela década. A carioca apaixonou-se perdidamente pela cidade, pela história mineira e pela Inconfidência Mineira. Cecília era, na altura, poetisa reconhecida: com mais de dez obras publicadas em poesia, prosa, ensaio e crítica, havia recebido o Prêmio da Academia Brasileira de Letras por “Viagem”, publicado em 1939. Nada, contudo, lhe garantiria lugar na posteridade como o “Romanceiro da Inconfidência”.
A obra
Que é o romanceiro? É uma coleção de romances – um tipo de forma poética da Ibéria medieval. Segundo Segismundo Spina, é uma forma híbrida, pois registra os grandes feitos de um cavaleiro – típico da poesia épica – com um tom subjetivismo – algo típico da poesia lírica.
Esse hibridismo está presente no tom e na forma do “Romanceiro da Inconfidência”. Um romanceiro, diz-nos Spina, conta algo. E o que o “Romanceiro” de Cecília nos conta? O nome já nos fornece uma pista: conta-nos acerca da Inconfidência Mineira. Mas não só isso: ele parte da História de Minas Gerais dentro do contexto da colonização portuguesa, com a descoberta do ouro, a migração massiva de portugueses e a escravidão, até culminar com a revolta propriamente dita sob a liderança de Tiradentes. Ou, nas palavras de Cecília,
“Narrar o que foi ouvido nestes ares de Minas, especialmente nesta Ouro Preto, cheia de ressonâncias incansáveis – e apontar nessa interminável confidência o que lhe dá eternidade, o que não é somente uma palavra ocasional, local, circunstancial -, mas uma palavra de violenta seiva, atuante em qualquer tempo, desde que interpretada, como ontem os oráculos e as sibilas”.
Em seus 85 romances, ele traz um amálgama de épico, lírico e dramático – épico ao narrar o fato, dramático ao focar as ações e lírico ao enfatizar o eu poético. Eis aí o hibridismo de que fala Spina.
Não é fácil separar o “Romanceiro” por partes estanques O caráter semi-fragmentário da obra, com idas e vindas, mudanças de temas e lugares, dificulta esse tipo de classificação. Contudo, grosso modo, o livro é dividido em três partes, narradas, em sua maior parte, na primeira pessoa. A métrica preferida por Cecília é a redondilha – tanto a menor, com cinco sílabas, como a maior, com sete -, muito comum no período trovadoresco da poesia ibérica.
A primeira centra-se na formação da cidade de Ouro Preto e na organização da Inconfidência.
A segunda narra os eventos da Inconfidência.
A terceira encerra a obra abordando as consequências da Inconfidência, com o enforcamento de Tiradentes, o degredo dos inconfidentes e a solidão das mulheres.
Murilo Mendes definiu o “Romanceiro” como poesia social de primeira ordem. Segundo o poeta mineiro, ele “resulta de uma combinação homogênea entre força poética, domínio da língua, erudição, e senso do detalhe histórico valorizado em vista de uma transposição superior, própria ao código da poesia”.
Esse senso de detalhe histórico com vistas a uma transposição superior parece consubstanciado em um dos trechos finais da obra, onde Cecília pergunta:
Quais os que tombam,
em crimes exaustos,
quais os que sobem,
purificados?
Os inconfidentes não são meros homens de ação concreta e histórica. Para Cecília, a criação poética usa o registro histórico como ponto de partida para o desvelamento de uma mensagem espiritual. O evento histórico guarda um significado transcendente – uma mensagem, ocupando uma posição dentro do cosmo como episódio significativo da história humana.
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